Um traço marcante dos governantes fascistas e autoritários é fazer uso da religião com fim político. E a marca mais forte disso é a desonestidade com que isso é feito. Há ainda algo mais perturbador: a ideia de que esse uso politiqueiro da fé não pode ser criticado.
Em Mossoró, isso ocorre desavergonhadamente, sob o silêncio de quase todo mundo. E com a complacência de autoridades. Mesmo quem critica o prefeito Allyson Bezerra (UB) não faz a crítica do uso da religião com fins de dominação, como o gestor mossoroense utiliza diariamente. O medo é que se pense que se está criticando a religião do prefeito. Longe disso. Mas o uso eleitoreiro da fé, como Allyson faz, deve ser alvo de toda crítica séria. Sobretudo porque o Estado brasileiro é laico.
Pois bem. Além de sutis ações de dominação (é bom dá uma olhada no que vem acontecendo na educação da cidade) e de usurpação do debate político com homenagens a pessoas que professam a sua mesma fé e da proliferação de reconhecimento de entidades religiosas (ortodoxas , claro) como de “utilidade pública”, há mais coisas acontecendo em Mossoró e que quem sabe finge que não vê e que vê acreditam que não há mal nenhum nisso.
E assim, de pouco a pouco, de déu em déu, a cidade vai se tornando uma teocracia.
Não sem razão, mesmo num Estado laico, o dinheiro do povo é utilizado para patrocinar um evento gospel. Sob os aplausos dos hipócritas e a leniência dos fiscais da lei.
O “festival” começou com dois dias de proselitismo religioso. Sem pretexto nenhum. Talvez apenas o fato de o prefeito ser da mesma religião que os cantores.
Esse ano serão cinco dias. E não sem razão, logo após o Mossoró Cidade Junina (MCJ). A intenção é claro, é separar os “santos” dos “pecadores”. A velha tática do “nós” contra “eles”. Os que gostam de cultura (embora o investimento nela, no MCJ é quase nada em comparação ao que foi pago aos sertanejos bolsonarista, inclusive alguns que se dizem crentes) tiveram quase todo o mês de junho para se esbaldar, portanto, cinco dias de louvor – bradam os fariseus do nosso tempo – não são quase nada.
O que os falsos moralistas defensores do indefensável não dizem com a honestidade que deveriam (isso parece ser demais para essa galera) é que festival gospel não é cultura. É religião (talvez nisso eles concordem) e, assim sendo, dinheiro do contribuinte não pode ser utilizado para proselitismo religioso. De religião nenhuma. Ou talvez pudesse, se o evento respeitasse todos os credos, todas as matizes religiosas.
A gestão Allyson Bezerra já patrocinou algum evento espírita? Já destinou dinheiro para festival de música de religiões de matizes afro? Já bancou eventos de músicas católicas? Ou hindu? Ou de qualquer outra religião que não seja a mesma que ele professa?
Se não o tiver feito, o festival de música gospel é tudo, menos algo para celebrar a diversidade religiosa. Porque um evento patrocinado com dinheiro público que não aceita todos os credos é violência. E, claro, ilegalidade prevista na Constituição Federal. Né isso, Ministério Público?
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