* Márcio Alexandre

 

Ele tem cerca de 10 anos. Está numa fila de crianças da mesma faixa etária numa ação recreativa de um projeto social. Observa, três garotos à sua frente, um colega, na mesma casa de uma década cronológica, e que simula uma dança, com requebro de quadris e meneios de cabeça. Previsível, como a maioria das ações que fazem meninos nessa fase da vida.

Seu olhar se transforma. O cenho demonstra sua fúria. A carranca é expressão de raiva. Sem “arrodeios”, dispara, olhando para o coleguinha: “Pudesse eu matava todos os v…..s”.

Como cidadão estupefato, pai angustiado e educador preocupado, aproximei-me dele para entender as razões de tamanha ira. Mesmo sem conhecê-lo. Perguntei se ele tinha noção do que acabara de dizer. Do absurdo que verberara.

Sem demonstrar qualquer arrependimento, olhos fixos nos meus, disse que era assim que deveria ser. “Esse povo não merece viver”, tentou justificar, sem me explicar o porquê de tal desejo de eliminação do diferente. Expliquei-lhe dos prejuízos para ele de manter no peito uma vontade tão cruel e criminosa, sem, claro, fazer uso desses termos.

Estarreci-me. Não mudou em nenhum momento a fisionomia carregada, sombria, reflexo do que o coração expressava naquele momento. E que poderá se estender por anos à frente, sem outros momentos não lhe acompanharem. De afetos, de reprimendas, de regras, de sociabilizações, de freios nas vontades.

Não foi apenas explosão de uma raiva passageira, porque sequer teve motivo para ela se originar. É manifestação de um desejo incontrolável, de uma pulsão indisfarçável e de uma pretensão quase irrefreável. Desses sentimentos que estão abundando de forma tão forte em alguns adultos que chegam a intoxicar o coração dos pequenos.

Não é culpa somente dos jogos eletrônicos e do que essas crianças veem na internet. É também o que absorvem do que conversamos em casa, do que discutimos no lar, do que falamos nas ruas.

É reflexo desses tempos de carnificina em que tiro é celebração, cabeça é prêmio e sangue é bebida. A pulsão que pulsa no peito de alguns pequenos também é de morte. Estão matando a inocência. Não é inocentemente que estão se revelando esses desejos.

 

* Professor e jornalista

 

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