A caixa-preta: Deputados do RN despejam R$ 82 milhões em “Emendas Pix” sem transparência de destino

Levantamento exclusivo feito pelo publicitário Ibero Hipólito mostra que parlamentares potiguares privilegiam transferência especial que dificulta fiscalização do TCU; João Maia e Robinson Faria lideram o ranking da opacidade.

por Ugmar Nogueira
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Por Ibero Hipólito, de Mossoró.

Enquanto o Congresso Nacional trava embates retóricos sobre responsabilidade fiscal, um fluxo silencioso e milionário de recursos públicos escoa para os municípios do Rio Grande do Norte sem que a sociedade saiba exatamente em que será gasto.

Um levantamento detalhado sobre a execução orçamentária da bancada federal potiguar revela o uso massivo da modalidade “Transferência Especial”, popularmente conhecida como “Emenda Pix”. Diferente dos convênios tradicionais, onde o dinheiro é carimbado para uma obra ou compra específica (como uma escola ou uma ambulância), a Emenda Pix cai direto na conta das prefeituras, permitindo que o prefeito gaste como quiser, transformando o orçamento público em um verdadeiro cheque em branco.

A análise dos dados foi realizada a partir do portal deolhoemvoce.com.br de sete deputados federais do RN aponta para um volume de R$ 82,6 milhões enviados apenas nesta modalidade, revelando uma predileção da bancada por um mecanismo criticado por órgãos de controle como o TCU (Tribunal de Contas da União), pelos próprios parlamentares do campo da esquerda, sindicatos   e a Transparência Internacional pela alta permeabilidade à corrupção e desvios.

O Ranking da “transparência”

Entre os parlamentares analisados, o deputado João Maia (PP) lidera o ranking do uso desse instrumento. Sozinho, Maia empenhou R$ 17,7 milhões em Emendas Pix, o que representa quase metade (49%) de tudo o que destinou em emendas. Na prática, de cada dois reais enviados pelo parlamentar, um entra nos cofres municipais sem um projeto prévio definido publicamente no sistema de transferências.

Logo atrás, aparece Robinson Faria (PP), com R$ 16,4 milhões. O ex-governador destinou 48% de suas emendas totais via Pix, demonstrando um alinhamento do Partido Progressistas com a pulverização de recursos de difícil rastreio.

O “top 4” dos maiores usuários do sistema é composto por parlamentares de espectro mais conservador ou do chamado “Centrão”. Benes Leocádio (União) enviou R$ 14,3 milhões, seguido de perto por Sargento Gonçalves (PL), com R$ 12,9 milhões.

A bancada de esquerda (PT) e o General Girão (PL) aparecem com volumes menores, mas ainda significativos. O General Girão destinou R$ 8,8 milhões. Já no PT, Fernando Mineiro utilizou R$ 6,8 milhões, enquanto Natália Bonavides foi a que menos utilizou o recurso no grupo analisado, com R$ 5,4 milhões.

A Geografia do Dinheiro: O caso Ceará-Mirim

A análise detalhada dos destinos revela concentrações de recursos que desafiam a lógica da distribuição equitativa. O caso mais gritante é o do município de Ceará-Mirim.

A cidade foi a maior beneficiária individual de Emendas Pix de um único parlamentar em todo o levantamento. O deputado Robinson Faria enviou, sozinho, a cifra astronômica de R$ 4.720.713,03 para o município.

Essa concentração levanta suspeitas sobre o uso político da máquina. Quando um volume tão alto de recurso cai na conta de uma prefeitura sem a obrigatoriedade de convênio específico, a fiscalização sobre a qualidade do gasto torna-se praticamente impossível para o cidadão comum.

Quem mandou para onde: O Mapa das Emendas Pix

O levantamento dissecou os principais destinos do dinheiro de cada parlamentar. Nota-se uma clara divisão: enquanto os parlamentares do PT priorizam o Governo do Estado (administrado pela também petista Fátima Bezerra), os deputados de oposição e da direita irrigam diretamente as prefeituras, muitas vezes seus redutos eleitorais.

O Caso Carla Dickson: Por que ela não aparece na lista?

Um nome de peso da bancada potiguar brilha por sua ausência no levantamento de gastos via “Emenda Pix”: a deputada Carla Dickson (União Brasil). A explicação, contudo, é regimental e temporal, não necessariamente uma escolha política de abstenção ao método.

Dickson assumiu o mandato efetivo apenas em 1º de janeiro de 2025, ocupando a vaga deixada por Paulinho Freire, que renunciou ao cargo legislativo para assumir a Prefeitura de Natal.

Como as emendas parlamentares (incluindo as transferências especiais via Pix) são negociadas e desenhadas no ano anterior à execução orçamentária, o “DNA” das emendas do gabinete que ela ocupa hoje ainda pertence, na prática, ao antigo titular. Paulinho Freire foi o autor das indicações que estão sendo pagas agora. Dessa forma, Carla Dickson inicia seu novo ciclo na Câmara sem a digital nessas transferências específicas, o que justifica a inexistência de dados em seu nome neste recorte temporal (2025). Resta saber se, ao ter a caneta na mão para o próximo orçamento, a deputada seguirá a tendência de seu partido, que figura entre os maiores usuários do “Pix orçamentário”, ou adotará uma linha distinta de transparência.

Confira os maiores beneficiários por deputado:

  • João Maia (PP): O campeão das emendas Pix priorizou Macaíba (R$ 1,28 milhão), seguida por Upanema (R$ 792 mil) e São Pedro (R$ 594 mil).
  • Robinson Faria (PP): Além da remessa massiva para Ceará-Mirim (R$ 4,7 milhões), enviou somas vultosas para Areia Branca (R$ 1,24 milhão) e Pureza (R$ 749 mil).
  • Benes Leocádio (União): Pulverizou recursos com destaque para João Câmara (R$ 990 mil), Tibau do Sul (R$ 990 mil) e Santana do Matos (R$ 693 mil).
  • Sargento Gonçalves (PL): Focou em Areia Branca (R$ 1,48 milhão), mas também enviou R$ 1,38 milhão para o Governo do Estado e R$ 693 mil para Touros.
  • Girão, apenas para Almino Afonso recebendo R$ 1,98 milhão

  • General Girão (PL): Destinou verbas pesadas para o interior, com Almino Afonso recebendo R$ 1,98 milhão e Caicó R$ 1,88 milhão.
  • Fernando Mineiro (PT): O maior beneficiário foi o próprio Governo do Estado do RN (R$ 1,38 milhão), seguido por São Paulo do Potengi (R$ 594 mil).
  • Natália Bonavides (PT): Seguiu a lógica partidária, destinando a maior fatia ao Governo do Estado do RN (R$ 3,06 milhões), com valores menores para Santa Maria (R$ 594 mil) e Florânia (R$ 396 mil).

Análise: O Drible na Fiscalização

A “Emenda Pix” foi criada sob a justificativa de desburocratizar o repasse de verbas. No entanto, na prática, ela criou um “apagão” na rastreabilidade do dinheiro público.

Ao contrário de um convênio para construir uma creche, onde a Caixa Econômica Federal só libera o dinheiro conforme a obra avança, na Emenda Pix o dinheiro cai na conta e passa a pertencer ao ente municipal. O TCU só consegue fiscalizar se houver uma denúncia muito específica, pois o dinheiro se mistura com a arrecadação própria do município (IPTU, ISS).

No Rio Grande do Norte, R$ 82 milhões acabam de entrar nessa zona cinzenta. Para o eleitor, resta a dúvida: esse montante virará serviços públicos ou servirá apenas para pavimentar alianças políticas locais às vésperas de novos ciclos eleitorais?

 

Comparativo de Volume Total de Emendas Pix (Do maior para o menor):

  1. João Maia: R$ 17.758.612,08
  2. Robinson Faria: R$ 16.461.711,09
  3. Benes Leocádio: R$ 14.355.000,00
  4. Sargento Gonçalves: R$ 12.947.584,32
  5. General Girão: R$ 8.843.713,56
  6. Fernando Mineiro: R$ 6.809.313,06
  7. Natália Bonavides: R$ 5.445.000,00
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