Caro cidadão infeliz,
Escrevo-te para dizer verdades e, especialmente, obviedades, porque é preciso que mudem de rota você e nossa cidade. Caminhas para um caminho de torpeza e, junto, muitos que estão bebem dos remédios de ilusão que ofereces todos os dias pela “Máquina do caos”, essa sua companheira de crises e conflitos. Fazedora de dilemas reais e soluções fraudulentas.
Sabes que não é mais o mesmo. Mesmo que sempre tivesses tanta ambição, que desejasses tanta atenção, que buscastes tanto os palanques. Sabes que chegou muito além do sonhado, que conseguiu além do imaginado e que achas que não há mais como voltar. Sobretudo pelo que tens. Mas em que condições?
Tem empresas, mas não pode declarar. Tem dinheiro, mas não pode gastar. Pelo menos publicamente. Tem luxo, mas não pode ostentar. Que riqueza mesquinha, não é? Talvez porque fruto do direito sonegado de servidores. Desviado dos exames que deveriam salvar vidas. Das insulinas que garantiriam dignidade aos diabéticos crônicos.
O patrimônio que de fato amealhastes só serve para garantir elogios comprados e sentimentos arranjados. Isso explica parte de sua infelicidade.
Os procedimentos estéticos a que submetes podem disfarçar as imperfeições de pele, mas tem servido muito mais para evidenciar desvio de caráter. Porque estes saltam aos olhos dos que não estão cegos pela sua onipresença ludibriatória.
“Como é triste a tristeza” de quem só se alegra com a infelicidade do outro. De quem só se satisfaz com a dor alheia. De quem só está bem se o outro estiver mal.
Como é fraca a liderança de quem só comanda com o chicote.
Como é rouca a voz de quem só se impõe pelo grito.
Identifique seus traumas, e encontre sua alma. Deixe de se achar porque você está perdido. Mergulhado num mundo de poder que muito pode mas pouco oferece do que realmente importa.
Saberás que o exagero por atenção tem origem. A vaidade desmedida tem explicação. A soberba exacerbada tem solução.
Como seu crítico, ajudo mais dos que os inimigos que o bajulam. E o faço porque também é preocupante ver uma mente brilhante se perder sob os holofotes da ganância. Usada apenas para causar horror. E mentir que não causa.
Em sua viagem derradeira, seu ataúde será enorme. Não para levar a riqueza que acumulas. Mas para caber as fantasias que usas para demonstrar ser o que não és.
Mas volte para o que vale a pena. Tempo de qualidade com mãe. Olhar de respeito para o pai. Sentimento de gratidão para os verdadeiros amigos, aqueles a quem hoje, por se sentir superior, dedicas chás de cadeiras e insultos em cadeia.
Volte. “Ninguém se perde no caminho da volta”, nos ensinou José Américo de Almeida. Principalmente se voltares para o primeiro Amor. Voltar, acrescenta o paraibano, é uma forma de renascer.
Mesmo tendo sofrido toda a sorte de problemas oriundos das maldades que sobre muitos imputastes, escrevo-te sem mágoa porque misericórdia não emana de raiva.
E faças essa volta enquanto ainda suporta a si mesmo, pois triste é o fim dos que se deixam dominar pelo ego.
Márcio Alexandre, professor e jornalista
Ilustração: Getty Image
