Comitiva visita área de conflito por energia renovável no RN

Trabalhadores rurais que arrendaram lotes para empresa instalar aerogeradores e painéis solares reclamam dos valores diferenciados e falta de estudos socioambientais completos

por Ugmar Nogueira
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Uma comitiva da sociedade civil, formada por pesquisadores ligados a universidades e técnicos de organizações que atuam na área de direitos humanos, de trabalho e de impactos socioambientais das energias renováveis, realizaram na semana passada uma visita ao município de Serra do Mel (RN). A viagem seguiu a realização de uma audiência pública em Natal, no dia 11 de julho, que discutiu uma ação civil pública coletiva de trabalhadores rurais contra a multinacional Voltalia, de energia eólica e solar.

O grupo esteve em vilas comunitárias de produção rural que integram o projeto de colonização de Serra do Mel, iniciado em 1972 pelo governo do Estado. Cinco décadas depois, além da cajucultura e da produção de mel, a área passou também a produzir energia renovável. 

A ida coincidiu com uma comitiva interministerial da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas, ligada à Secretaria-Geral da Presidência da República, que também contou com deputados estaduais e realizou uma escuta pública em Serra do Mel, com moradores e representantes do governo local.

“Quando a Voltalia chegou aqui, em 2010, estávamos enfrentando uma seca severa e uma infestação de mosca branca. Nos disseram que não precisávamos mais trabalhar com caju e abelha porque íamos enricar com as eólicas”, contou o produtor rural Raimundo Henrique de Mendonça, o “Edu”, dono de três lotes. 

O que veio depois, no relato de Edu, é o mesmo de outros moradores do local: não houve comunicação prévia sobre desmatamento da Caatinga para usinas solares, o que atrapalhou a manutenção dos cajueiros e da produção de mel, nem conhecimento sobre o impacto potencial na saúde causado pela proximidade das torres eólicas: as pás dos aerogeradores geram sons que podem afetar o sistema nervoso central, causando a chamada “síndrome da turbina eólica”, associada a distúrbios como insônia, ansiedade e depressão. 

Além disso, uma parte dos produtores familiares do município enfrenta consequências de contratos abusivos de arrendamento de seus lotes para a instalação das usinas, devido a disparidade de conhecimento jurídico entre as partes, como cláusulas e condições injustas, perda do direito à aposentadoria especial e pagamentos menores do que os prometidos. Ninguém “enricou”, como foi dito antes da assinatura dos papéis.

“Não somos contra a energia eólica ou contra qualquer empresa do ramo”, afirma o presidente da FETARN (Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Rio Grande do Norte), Erivam do Carmo, uma das três organizações que conduzem a ação coletiva. “A federação é a favor da revisão dos contratos firmados com agricultores familiares, bem como a reparação integral dos danos decorrentes dos impactos causados pelos empreendimentos, além de reconhecimento por dano moral coletivo ambiental que engloba prejuízos à paisagem, à fauna, à saúde e à produção agrícola familiar.” 

Ao todo, a Voltalia Energia do Brasil, subsidiária da francesa Voltalia S/A, prevê a implantação de 40 usinas eólicas em Serra do Mel, das quais 36 já se encontram em funcionamento.

Solução – As entidades que representam colonos de Serra do Mel requerem na Justiça a revisão dos contratos – alguns de até de 50 anos -, a manutenção da remuneração mensal baseada no valor da energia gerada (kWh) e o apoio psicológico e médico para quem teve sua saúde afetada, bem como reconhecimento por dano moral coletivo ambiental que engloba prejuízos à paisagem, à fauna, à saúde e à produção agrícola familiar.

Além da Fetarn, a ação coletiva também é assinada pelo Serviço de Assistência Rural e Urbano (SAR) e a CUT-RN.

“A ideia de que o Nordeste é seco e que as eólicas iriam produzir dinheiro e desenvolvimento para região é uma mentira que foi usada como desculpa para justificar a instalação desses empreendimentos em todo o Nordeste, sem debater com a população e explicar as consequências”, destaca Irailson Nunes, presidente da CUT-RN. 

“A transição energética precisa ser justa e popular. Não é aceitável que comunidades rurais e trabalhadores e trabalhadoras do campo arquem com os custos sociais, ambientais e humanos do chamado ‘progresso verde’. As vozes dos territórios atingidos precisam ser ouvidas com seriedade e respeito”, diz Jean Pierre, educador social do SAR. “Estamos falando de violações reais: contratos abusivos, perdas de direitos previdenciários, impactos na saúde e danos irreversíveis ao modo de vida de famílias agricultoras. É possível, sim, ter energias renováveis com justiça, com salvaguardas e com reparação dos danos causados. O que está em jogo é a dignidade das pessoas e o futuro dos territórios.”

Entenda os impactos das eólicas no RN 

Primeiro empreendimento – Em 2006 começou a operar o primeiro empreendimento de energia eólica do RN para fins comerciais. O parque eólico recebeu o nome do município que o abrigou (Rio do Fogo, a 81 quilômetros de Natal) e 62 turbinas eólicas. Cada uma com capacidade de 800 kW, totalizando 49,6 MW de potência instalada. Na época, o entusiasmo com a tecnologia renovável predominava.

Como surgiram os impactos – A energia eólica continua sendo renovável, porque é movida pelo vento, abundante no Nordeste brasileiro. Mas, ao longo dessas duas décadas, surgiram impactos no meio ambiente e na saúde humana, além de violações de direitos humanos, que no início não era possível prever.  

Os contratos de arrendamento – Para instalar as turbinas, as empresas arrendam as terras dos moradores. Assim, durante duas décadas, o sigilo contratual escondeu cláusulas abusivas em arrendamentos  de pequenas propriedades para instalação de centrais de energia renovável. 

As violações de direitos – As irregularidades, que vieram à tona em 2023, a partir de um estudo do Inesc em parceria com a iniciativa Plano Nordeste Potência, vão desde valores irrisórios pagos por hectare até a falta de acesso à energia mais barata, passando pelo embaraço na aposentadoria rural e responsabilização do proprietário, não do arrendatário, pela sucata deixada pelos empreendimentos no futuro. 

Serra do Mel – Em 21 de maio de 2025, quase um ano após os agricultores iniciarem os passos para acionar a multinacional judicialmente, entidades deram entrada na ação contra a Votalia . Foi movida pela Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do RN (Fetarn), pela Central Única dos Trabalhadores do RN (CUT-RN) e pelo Serviço de Assistência Rural e Urbano (SAR-RN).

O que fazer? – As empresas precisam ser responsabilizadas e reparar os danos causados. Há um documento que baliza essa mudança de postura. Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável, com mais de cem recomendações para serem adotadas de forma preventiva e, assim, mitigar danos e impactos dessa atividade.

 

Foto: Fetarn e SAR

 

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