* Márcio Alexandre

Num bairro da periferia de Mossoró, num dos locais de votação, entre centenas de eleitores, um homem tenta montar uma cadeira de rodas. O sol a pino não parece incomodá-lo. A poeira do chão quente levantada pelos transeuntes também não. O instrumento de apoio à locomoção é para o pai, um senhor de idade que está no banco do carona.

O passageiro demonstra ter próximo dos 80 anos. Carrega no corpo e na mente as sequelas de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Age como um autômato. Ou quase não age. Não esboça raiva ou calma. Tristeza ou alegria. Seu olhar é de indiferença a tudo e a todos.

Ao sair do carro, franze o cenho, como que tentando diminuir o efeito dos raios solares sobre a cabeça. O calor o castiga. Ao ser pego pelo filho, exprime sensação de dor. São situações ignoradas pelo homem mais novo. Pela condição do senhor, tê-lo tirado de casa, do conforto, dos cuidados, para colocá-lo naquela situação revela uma violência. Subestimada por quem o carrega.

O filho leva o idoso, nos braços, com dificuldades, para a cadeira recém-montada. Do equipamento para a zona eleitoral, muitas dificuldades. Terreno íngreme. Falta de acessibilidade. Espaço diminuto. Terra com muito pedregulhos. Pessoas em número elevado. O homem não desiste. Impassível, segue empurrando a cadeira de rodas. Ao menor empecilho, a roda do equipamento trava. A cada travada, um impacto. A cada impacto, expressão de desconforto e de dor. Nada disso sensibiliza o filho. Nada o detém no seu propósito.

Todo o sofrimento do pai parece justificar o que deseja. Que o pai vote. No candidato dele, e não de quem o senhor gostaria se pude expressar vontades. No carro, um adesivo com dizeres fascistas de muitos já conhecidos. Na expressão, entre as falácias, uma de que o escolhido dele defende as famílias. Nem ele o faz. Tivesse apreço pelo pai, não o submeteria a situação tão sofrida. Fascista parece não guardar bons sentimentos nem por quem deveria respeitar. Maquiavelismo em dose cavalar.

* Professor e jornalista

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