* Márcio Alexandre

Daqui a poucas horas a Seleção Brasileira entra em campo pela segunda vez nessa copa, quando enfrentará a Suíça. Pelo que se sabe e se conhece dos dois times, o Brasil deve confirmar, já nesta segunda-feira, a sua classificação para a segunda fase da competição. Há tanta confiança dos brasileiros, tanta expectativa de que o país avance para as oitavas, que o assunto dominante nos últimos dias não foi a partida.

O Brasil terá dois desfalques: o lateral Danilo e o meia-atacante Neymar. Ambos fora por contusão. O machucado de Neymar, mesmo que com menor gravidade do que o de Danilo, foi o mais comentado. E aqui, para quem reclama de que sofre perseguição, sabe-se lá de quem, vai a primeira constatação: o jogador do PSG concentra a maior parte das atenções dos torcedores. Para o bem e para o mal.

Pois bem, teve gente que criticou quem se sentiu aliviado porque Neymar ficará de fora de dois jogos. O mundo quase veio abaixo. Por um ufanismo que psicólogos dos mais alto gabarito não conseguirão entender, passou-se a difundir a ideia de que quem torce contra Neymar torce contra o Brasil. O de que as pessoas que tanto pregam o bem estaria inclinadas a fazer o mal apenas porque não querem, não gostam, não torcem pelo Neymar.

Vamos lá: não querer que esse ou aquele jogador esteja defendendo a seleção é a coisa mais natural do mundo. Somos reconhecidos como o país que tem 200 milhões de treinadores. E mesmo que Neymar seja um craque, não é unanimidade. E falo aqui apenas da questão futebolística. E não tem nada errado nisso.

Há os que gostariam que Gabigol tivesse sido convocado. Mutos quereriam Gustavo Scarpa. Milhares não entendem porque Paulinho está fora. Há quem defendesse inclusive que outros de menor time, com bem menos expressão, também fizessem parte do seleto grupo dos 26 que estão no Catar. Uns tem razão. Outros raciocínio. Muitos tem argumentos. Todos tem paixão. Pelo futebol. Pela seleção.

Não há nada mais passional do que torcer. Estar na torcida por alguém significa querer que esse alguém vença. Que se sobressaia. Que seja o destaque. Que brilhe em todas as manchetes. O merecedor de tais honrarias certamente carrega o ônus de tudo isso. Neymar deveria saber. Quem torce por ele também.

Mas existe ainda outro aspecto a ser considerado: se torce por afinidade. Se busca, conscientemente, naquele por quem se torce, que ele tenha valores, princípios, gostos, vontades, desejos, parecidos com os de quem torce. De certa forma, torcer significa se ver representado naquele que joga. A felicidade em torcer advém, entre outras coisas, de ver que aquele com quem tenho afinidades chegou ao ápice, à glória. E se sentir também no Olimpo dos campeões. No panteão dos heróis. Todo mundo tem direito de torcer. Pelo que quiser. Por quem quiser.

O Neymar também. E ele torceu. Fez sua escolha. Teve sua preferência. Neymar apoiou, fez campanha e pediu votos para Bolsonaro. Aquele que tripudiou de tudo e de todos. Que chamou de maricas quem tinha medo do coronavírus. Que espalhou notícias falsas sobre a vacina que poderia salvar (e salvou) vidas. Pior: escarneceu de quem morreu com falta de ar.

Enquanto Bolsonaro fazia tudo isso de ruim, Neymar silenciou. Se escondeu. Não reclamou. Não foi publicamente rebater as barbaridades do presidente. Talvez tenha até aplaudido em silêncio. Às vezes a gente esquece o que move Neymar. Algumas declarações públicas dele dão mostras disso. E nisso, algumas vezes, se percebe suas intenções. Como quando ele curte comentários de pessoas que tripudiam da luta do ex-jogador Casagrande contra as drogas.

Além de não repreender Bolsonaro, Neymar age como quem concorda com tudo o que faz e diz o ainda presidente. Sim, porque Neymar quer estar em campo, entre outras coisas, para homenagear o genocida, o miliciano, o racista, o misógino, o machista e, porque não dizer, o desumano Bolsonaro.

Prometeu dividir suas glórias de suor com quem ignorou lágrimas. Talvez muitos não percebam o quanto isso é abjeto. Porque as pessoas não se dão conta de que não é apenas afeição de Neymar ao presidente. É dívida do jogador. De que? Que ele venha a público dizer. Porque um gol dele dedicado ao presidente é mais um motivo para manter acesa por mais algumas dias a chama do golpismo.

Pelo bem da paixão, às vezes é necessário a razão reinar.

Não existe hipocrisia maior do que reclamar de quem quer Neymar fora de um jogo se esse mesmo jogador apoiou quem quis brasileiros fora da vida. Não dá para ter empatia por quem ignorou o sofrimento de quem perdeu parentes, amigos e familiares. Enquanto o presidente ria de quem chorava. Segue o jogo. Com ou sem Neymar. O Brasil é maior que ele. Mesmo que ele pense o contrário.

* Professor e jornalista

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