Indigestão cultural em Mossoró: para Janaína, com muita luta

Uma reflexão sobre o caso em que o prefeito de Mossoró transforma o setor cultural da cidade

por Ugmar Nogueira
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Por Dinízio do Apodi*

Professor de Economia Etevaldo Almeida, produtor cultural Igor Belleza, advogado Kadson Eduardo, administrador Frank Felisardo e jornalista Janaina Holanda. Em quatro anos e um mês da gestão do atual prefeito de Mossoró já são cinco secretários de Cultura para a cidade que se gaba em ser a capital cultural do Estado. Esse número tem passado despercebido, mas mostra os porquês dos artistas e grupos independentes de Mossoró sofrerem tanto ao longo dessa gestão: falta de continuidade e um eterno recomeço.

Em mais de quatro anos, não temos estruturas básicas que são obrigatórias para o município continuar recebendo recursos federais para a cultura, como por exemplo o Conselho Municipal de Políticas Culturais (esfacelado e pisoteado pela gestão) e o Plano Municipal de Cultura (sem perspectiva nenhuma de debate sobre isso).

O apagamento do Conselho enfraquece a participação dos grupos e artistas na construção de políticas culturais que atendam às necessidades de quem faz cultura. E a ausência de um plano de cultura de acordo com as atuais demandas do setor cultural prejudica a continuidade de qualquer ação, pois cada secretário ou secretária que entra faz as coisas de acordo com o que lhe convier, sem atentar para um plano construído pelo setor, tirando o caráter coletivo e focando no individualismo e bondade de quem está à frente da pasta. Se não tem plano de cultura, não vai ter continuidade.

A cada nova entrada de secretário(a) na pasta são seis meses perdidos para as discussões e efetivação das políticas culturais que precisam ser efetivadas, quando são efetivadas. Se os secretários que já passaram (com exceção do Kadson Eduardo que não recebeu a gente) forem honestos, darão o crédito de quem sempre procurou diálogo com a secretaria para alertar, para compartilhar as informações do Ministério da Cultura, e se reunir para tratar destes assuntos, foi a gente da Cooperativa de Cultura Potiguar, o Comitê de Cultura do RN, juntamente com diversos grupos e artistas independentes de Mossoró. Mas na maior parte dos casos, quando a gestão toma ciência, por nosso intermédio, das coisas que precisam fazer, nos passam para trás. Se houvesse um plano de cultura e este fosse respeitado, cada secretário que entrasse daria continuidade, mas a Secretaria de Cultura de Mossoró é a cara da esculhambação, sem eira nem beira, aos Deus dará, funcionando numa “ex-biblioteca” que é o retrato do abandono da cultura no município.

Por questão de justiça é necessário falar sobre a passagem do secretário Igor Belleza, o único, nessa gestão que dialogou, de verdade, com o setor cultural e quis fazer o que estava sendo orientado e determinado pelo Ministério da Cultura. Com ele Mossoró foi o primeiro município do Estado a receber recursos da PNAB, em dezembro de 2023, e sem ele ainda estamos esperando os pagamentos, que foram prometidos pela equipe do então secretário que agora saiu, Frank Felisardo, diante do Ministério Público, numa reunião virtual, da qual participei, onde o mesmo garantiu que sairia no ano passado.

O antigo secretário Frank e sua equipe mostraram total desprezo pelo setor cultural e até pelo Ministério Público, sem respeito nenhum às instituições democráticas, sociedade civil. Não compareceram em nenhuma audiência pública para debater as políticas culturais para Mossoró (como pode?). Sem respeito algum, passando por cima do Ministério Público e de nós, trabalhadoras e trabalhadores do setor cultural. Quando solicitamos mais tempo, pelo menos mais dois dias, para as inscrições dos projetos dos artistas, um grito de todo o setor cultural, o ex-secretário falou, numa reunião virtual, com presença de uma promotora, que não podia aumentar o prazo, alegando que se fizesse isso não daria tempo pagar em 2024. O resultado é que não aumentaram o período de inscrições para que mais artistas pudessem se inscrever mas aumentaram o prazo para os avaliadores, e ainda por cima os recursos não foram pagos até agora, 2025.

O ex-secretário Frank Felisardo, com respeito ao cidadão e ao que ele é, fora da cultura, juntamente com sua equipe, não vai ser nem lembrado que um dia passou pela Secretaria de Cultura de Mossoró. Entrou, saiu. Não vai fazer falta, não deixa nenhum legado, uma vírgula que pudesse melhorar a vida de quem faz cultura em Mossoró. Cadê o Prêmio Fomento 2024 (Lei Maurício de Oliveira) que foi prometido para outubro do ano passado, e já estamos em 2025 esperando os editais de 2024? Cadê os pagamentos da Aldir Blanc prometidos para o ano passado (os recursos FEDERAIS estão na conta desde dezembro de 2023)?

Na escuta do Plano Anual de Aplicação de Recursos (PAAR) nos passaram para trás. Tiraram seiscentos mil reais que o setor cultural, na escuta pública, exigida, gravada e enviada para o Ministério da Cultura, aprovou por unanimidade para ser utilizada como fomento aos projetos culturais e colocaram para a reforma da Escola de Artes, que tem outras possibilidades de recursos, enquanto a gente não. Inclusive o ex-vereador Pablo Aires destinou emenda para o início da reforma da escola e a emenda não foi levada em consideração pelo prefeito municipal, e agora retiram o direito que a gente tem de decidir sobre o destino dos recursos da Aldir Blanc, que são para o nosso setor e federais (a Prefeitura é só repassadora), de acordo com o Ministério da cultura.

Na apresentação pública do Comitê de Cultura do Rio Grande do Norte em Mossoró (programa importantíssimo do Ministério da Cultura), o então secretário foi convidado a participar, com direito a fala, para saudar os trabalhadores e trabalhadoras da cultura e não foi. Na Conferência Livre de Cultura de Mossoró e Região, onde o setor cultural se reuniu para debater política pública, o secretário não compareceu também, nem mandou qualquer pessoa de sua equipe, mas no mesmo dia, participaram de uma feira que acontecia na praça ao lado de onde era realizada a Conferência. No lançamento do Centro de Cultura do BNB que está chegando em Mossoró, momento importante para a cultura da cidade, nenhuma representação. Essa ausência é o que nos é ofertada todos os dias em Mossoró, por essa gestão.

Aos artistas indignados de ocasião, aqueles que ficam por trás, sem coragem de se desgastar com o poder público, mas secretamente vem “manifestar apoio”, o nosso total desprezo por serem frouxos e deixarem companheiros na frente desta luta para serem mortos, esperando “se der certo eu estou, se der errado não conheço eles”. O mesmo vereador ou gestor que agrada você, individualmente, para enfraquecer a luta coletiva, só faz isso porque sabe que você é fraco, e pode te usar, como os poderosos da casa grande, historicamente, fizeram. Camarada, infelizmente é esse o seu papel.

As consequências desse texto já sei, previsto e previsível: babões, comissionados, blogueirinhos, influencis, burros (como diz caetano “você é burro cara, você é muito burro!”), sem pensamento crítico nenhum, nos atacando, sem conhecimento nenhum do que a gente tá falando, mudando o foco para algo que não condiz com o que colocamos, para confundir o pensamento das pessoas mais simples. Acham que nós temos prazer em discordar dessa gestão? É desgastante e adoece. Acham que não queríamos uma Mossoró com oportunidades para todo mundo? Mas a gente segue, firme, por aqui, como pode e como dá, mas seguimos com os que restam e não têm preço.

Isso, de forma alguma, é uma afronta para a nova secretária Janaína Holanda, com quem até já trabalhei por um tempo no extinto jornal Gazeta do Oeste, mas uma maneira de buscar a sensibilidade dela, não para atender a um grupo de artistas ou qualquer seletividade, mas para facilitar a efetivação das políticas públicas que já estão indicadas no Sistema Nacional de Cultura e na Política Nacional Aldir Blanc, principalmente através do fortalecimento do Conselho Municipal de Políticas Culturais e da construção coletiva do nosso Plano de Cultura de Mossoró.

Adoraria dizer que uma mulher na Secretaria de Cultura foi capaz de dar voz aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura de Mossoró, sem perseguições, e construído junto conosco o Plano de Cultura do município, e colaborado para o fortalecimento do Conselho Municipal de Políticas Culturais. Isso já seria um legado imenso, secretária Janaína, e a garantia que na próxima troca de secretário já teríamos avançado para não termos nenhum prejuízo. Isso, o tempo mostrará se a nova secretaria seguirá o modelo do seu secretário anterior ou contribuirá com o sofrido setor cultural de Mossoró.

Abraços e há braços!

Dionízio do Apodi.

*É artista em Mossoró.

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