* Márcio Alexandre

“Não é só futebol”, garante o slogan de um canal esportivo por assinatura. Se não dá para levar a afirmativa ao pé da letra em 100% de sua força semântica, certeza o é de que há muita verdade nisso.
Ora, se não é só futebol, isso significa que fazer relações a aspectos da vida com recortes desse esporte não é só reafirmar a importância dessa afirmação, mas reafirmá-la.
Se não é só futebol, as comemorações dos gols, as farras carnívoro-áurica e as ações dos “meninos-jogadores” e de todos aqueles que ganham fama e dinheiro a partir disso, não se circunscrevem tão somente ao que acontece no estádio.
Assim, planejar toda a nossa expectativa de vitória e nossa trajetória esportiva-pessoal-profissional a partir disso traz algumas revelações.
A primeira delas é colocar nossos adversários como mero coadjuvantes. Simples escada para nossa subida ao topo.
A segunda delas é que nessa nossa escalada rumo ao píncaro, o choro, sofrimento e decepção do outro pela derrota é mero detalhe. Mas há um detalhe que às vezes deixamos escapar.
O narrador acreditava tanto que se despediria das narrações esportivas narrando a vitória canarinha na grande decisão que talvez já tendo percebido o timing para tirar o time de campo há algum tempo, insistiu em mais uma jornada. Não era só confiança na capacidade de nossa equipe. Era soberba, esse elemento que nos faz esquecer das virtudes do outro.
O jogador mais badalado da escrete, por lógica, deveria abrir a sequência das penalidades porque, como se sabe, é um exímio cobrador de pênaltis. Foi preservado? Não. Fugiu da responsabilidade? Também não. Foi escalado para a última batida. Para ser glorificado. Para ser imortalizado. Para nunca mais ser questionado como herói. Porque afinal, teria convertido a cobrança derradeira. Como se apenas esse gol fosse numericamente maior que os outros 4 do seu time.

Só que negligenciamos um detalhe. Para essa celebração, para a canonização futebolística do nosso “herói” era necessário que o adversário perdesse suas cobranças. Que errasse seus chutes. Que fosse sofrendo a cada momento sua decepção enquanto o grande salvador tupiniquim se regozijava à espera do seu momento para dar seus passos para o Olimpo.

Mas não saiu como nossa soberba expectativa previa. Não tínhamos nos dado conta, mas do outro lado não havia coadjuvantes, mas atores merecedores de saborear também os louros do espetáculo do qual também contribuíam em pé de igualdade para que ele existisse.
Do nosso lado, o orgulho e o egoísmo não permitiram a alguns perceber que nem sempre conseguimos a glória quando esta deve resultar do sofrimento calculado do outro. Como diz o slogan: “não é só futebol”.

 

* Professor e jornalista

 

 

 

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