* Márcio Alexandre
Um pequeno povoado da península Isarb, tinha, há quatro mil, seiscentos e noventa e um anos, um governante desprezível. Um homem sem alma. Pior que alma penada. Chamá-lo de hipócrita virou lugar-comum. Taxá-lo de fariseu era desrespeitar os opositores dos Saduceus.
Um questionável humano cuja razão de ser era propagar o ódio, espalhar mentiras, desrespeitar pessoas e afrontar crenças. Embora dissesse acreditar no Supremo Criador, só criava mesmo era desavenças. Durante muito tempo, fez da sua denominação religiosa palco para negar a Cristo, porque nesse púlpito só falava de guerra, armas e morte. Inegável pulsão por tânatos.
O inominável, como o tratava a grande maioria dos que compõem aquela nação, se dizia praticante de uma determinada religião, mas usava todas as religiões para praticar o mal. Nesse seu intento, participava dos rituais de todas elas, mesmo que antagônicos. De todas as liturgias, embora díspares. Dos cânones de todas, apesar de dissonantes. Uma aberração.
Muitos passaram se questionar se não se tratava de um apóstata. A dúvida permanecia até o dia em que o povoado reverenciava a sua mais compadecida santa. Durante o ato sacro, o indigno apareceu.
E levou com ele, toda sorte de bizarrices, todo o conjunto das mais estranhas criaturas. Gente mais assombrosa que Kelpies, mais medonha que Lestrígones, mais torturante que as damas brancas, mais monstruosa que os Ichneumons, mas amaldiçoada que os Tigres-homens. Verdadeiros Dybbuks. Foram todos não só para constranger a fé alheia, mas para desrespeitar a crença dos outros, profanar a religião e causar terror. Em nome do seu deus.
Muitos tiveram a certeza que se tratava de alguém muito ruim porque ninguém reúne uma horda tão grande de coisas bárbaras se não for pior que elas juntas.
Mesmo com todas as barbaridades, mesmo com todas as mentiras, mesmo com todas as maldades, havia quem acreditasse no governante. É da natureza de uma boa parte dos hibantes daquela região crer em desvarios. É tradição nessa península muitos acreditarem em gnomos, elfos, duendes e fadas. Eles não acreditavam em ogros, até o dia em que esse monstro apareceu e começou a devorar seus princípios, valores e crenças.
* Professor e jornalista
(Imagem: wikipédia)
