* Márcio Alexandre
Os dias, quase invariavelmente, nascem belos. Até nos tempos de chuva. Até nos momentos cinzas. Porque surgem como um convite renovado. Um chamado à vida. Um apelo à existência.
Estão, para nós, os vivos, cintilantes, mesmo sem o sol. Brilhantes, apesar da ausência das estrelas.
Os dias nascem nos desafiando. Para a gente, a missão é não estragá-lo. Com nossa impaciência, mesmo que o filho se atrase para a escola. Como nossa incompreensão, mesmo que tenham nos machucado. Com nossa indiferença, mesmo que estejamos feridos.
Os dias são nossa dose diária de existência. E mesmo que eles diminuam, a cada dia, a dose é do mesmo tanto.
E nela vem tudo o que precisamos: as mesmas dificuldades (elas são necessárias), a mesma rotina (um dia ela fará falta) a mesma chance de mostrarmos que ainda estamos vivos.
A dose de hoje já foi ministrada. Já fez efeito em nosso corpo. Já faz células envelhecer, melanina diminuir, testosterona baixar, ossos enfraquecer, pele enrugar.
Estragar o dia com bobagens faz cada ato desse se mostrar mais voraz.
Quando estragamos o dia, ele não fica ruim só pra gente. Para os que nos rodeiam, ele se torna insuportável.
Que a dose de hoje seja bem aproveitada. Para muitos, hoje foi a última.
* Professor e jornalista