* Márcio Alexandre
Fernanda Torres até pediu, mas não foi atendida. O clima que se instalou no Brasil durante toda a semana que antecedeu a divulgação dos ganhadores do Oscar foi de final de mundial. Com um aperitivo: o Carnaval.
Não deu para Fernanda (a vida presta, mas às vezes é injusta). No entanto, o país conquistou, pela primeira, vez um Oscar. O de Melhor Filme Internacional. Melhor do que Copa do Mundo, e afirmo isso com a experiência de três visto três finais, das quais o Brasil ganhou duas.
A gente celebra com muita paixão, energia e entusiasmo a Copa do Mundo, mesmo que não cheguemos à grande decisão. Está no nosso sangue. E ficamos tão felizes quando a conquistamos que a maioria de nós não se dá conta do quanto usam o título para ludibriar o povo. Para esconder as mazelas. Para fingir que não tramam contra nós.
Basta citar um exemplo: o título do tricampeonato de 1970 foi usado pela Ditadura Militar para fazer propaganda daquele nefasto regime. Médici usou e abusou dos jogadores e da faixa de campeão para popularizar a Ditadura.
Não seria exagero afirmar que se tivéssemos ganho em 2022, o título seria utilizado para “suavizar” a malfadada tentativa de golpe. Ou quem sabe até para estimulá-lo. Não esqueçamos que o nosso jogador mais talentoso – e de menos caráter – é garoto-propaganda do caos. Fez inclusive campanha aberta para o ex-presidente Bolsonaro. Quem não lembra da prometida superlive que, graças a Deus e aos sensatos flopou.
Um Oscar ganho por um filme que denuncia um regime sanguinário, cruel e desumano como a Ditadura Militar é um presente dos céus. Porque já nasce como instrumento de resistência, como discurso de luta, como alegoria de batalha.
Um filme feito a partir de um livro. Cinema e Literatura como ferramentas de vanguarda. Levando ao mundo um pouco do que foi o grande horror que vivemos entre 1964 e 1985. Tempos de chumbo pintados com o sangue de inocentes.
Para quem, de fato, quer o bem desse país, tem um pouco de humanidade e não foi cooptado pelo discurso de ódio, o Oscar de Ainda Estou aqui é sim, no contexto de hoje, melhor do que um título de Copa do Mundo. O resto do mundo concorda. Com certeza.
* Professor e jornalista