* Márcio Alexandre
Rua Mariinha. O nome do logradouro é esse mesmo. Assim. Simples. Singelo. Quase poético. Mesmo localizada num bairro de mossoroenses abastados, o conjunto Inocoop, essa artéria, de poucos metros, quase uma travessa, abriga uma Unidade Básica de Saúde (UBS), a Maria Soares, que fica contígua à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Alto de São Manoel.
Ali em frente, percebemos a cena e o seu personagem. Um homem nos seus (mal) vividos 50 e poucos anos. O cenário e as condições que aparenta apontam nesse sentido. Uma rede armada entre dois pés de ninho indiano. Uma caixa de papelão com alguns poucos e velhos pertences. Dois tijolos exercem o papel de fogão. Sobre ele, uma panela, com fundo encardido e uma cebola ainda na casca. Numa outra panela, um pouco de arroz. O cenário completa-se com algumas roupas puídas colocadas num varal improvisado.
O homem vai de um lado a outro, atravessando a rua com destino à calçada da UBS. Veste uma camisa da Seleção Brasileira, dessas réplicas vendidas por camelôs. Uma bermuda desgastada e um par de chinelos de dedo formam sua indumentária. Sobre o ombro, um pedaço de pano aponta para o seu ofício: flanelinha. Pela forma como age e pela impaciência demonstrada, não parece exercê-lo costumeiramente.
Encara cada um dos que chegam como que pedindo. Uma ajuda, uma oportunidade, um trocado, uma comida. Ninguém se compadece, o que, em parte, explica sua fisionomia de angústia.
O cabelo assaltado pela falta de melanina. O rosto tomado pela falta de esperança. Os transeuntes sugados pela falta de sensibilidade.
Na esquina da mesma rua, a 10 metros, uma potente camionete é estacionada em frente a uma farmácia, ostentando um adesivo, em tons verde-amarelo e os dizeres: “patriotas mossoroenses”. O motorista desce, olha para todos os lados e se recusa a fixar o olhar para a cena mais marcante, mais chamativa, mais doída. A indiferença é gritante.
Patriotas brasileiros não tem preocupação com a pobreza, não se compadecem com o sofrimento, não se sensibilizam com as dificuldades alheias. Os ufanistas querem apenas se sentir maiores que os seus semelhantes. Embora não guardem em si nenhuma semelhança de humanidade. No Brasil de hoje não há interesse em reduzir a pobreza. Talvez exterminar os pobres.
* Professor e jornalista
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