* Márcio Alexandre
Um pequeno tropeço durante o trabalho o levou a uma de suas piores experiências de vida. A dor pela lesão nos ligamentos do joelho foi nada perto do que ainda ia doer.
Incomoda toda a perna imobilizada. O corpo quase inerte. A limitação de movimentos.
Doe a dependência dos outros. Doe não poder fazer tudo o que gosta. Não ver todos. Não ouvir tudo. Doe saber que podia tudo isso e não fez.
Serão dias intermináveis. Horas longas. Minutos lentos. Numa rotina em que não ter rotina será o mais difícil. Mas há algo doendo mais.
Nunca casou. Não teve filhos. Os namoricos não prosperaram. As poucas relações não frutificaram. Sem pais e mãe, resta uma irmã. A única. Limitada pelos problemas mentais. Criança em corpo de adulto. Enfrentando o mundo com olhar infantil. Sem se dar conta dos seus perigos, de suas dificuldades, de suas necessidades.
Tem sido ela a sua acompanhante no quarto de 4 leitos de um hospital público da cidade. Pior é não mais ninguém mais ocupando os demais. Apenas ele como paciente. Somente ela como ajudante. Nunca se sentiu tão só. Nem a morte dos pais o fizera chorar tanto.
Lamentou não ter parentes próximos. Família, pensou, é pai, mãe e irmãos. Os tios estão ocupados demais. Os primos tem sensibilidade de menos.
A dor de quem está sozinho num leito de hospital é maior do que a mais doída agressão física. O pior dos traumas. O mais profundo dos cortes.
Há choros que não emanam do corpo. Há lágrimas que não caem dos olhos. Pior é ter que chorar sem incomodar. Sufocar o que é tão sufocante. Impedir que saia em grito o que mata em silêncio. Solidão não doi igual em tudo mundo. Porque não é sempre do mesmo jeito. E não se origina da mesma forma.
Quem vê esse sofrimento tem a certeza de que nem toda falta é igual. Nem toda ausência é suportável. E que há faltas que sempre fazem mais falta.
* Professor e jornalista

