Um desespero ignorado

por Ugmar Nogueira
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* Márcio Alexandre

 

O programa numa FM de Mossoró seguia sua rotina. O apresentador no seu esforço de tornar alegre uma terça-feira modorrenta.

Quem ouve uma emissora de frequência modulada está mais interessado no agito, no dançar enquanto arruma a casa, no tornar as coisas do dia mais leves do que qualquer outra coisa. Só uma hecatombe pra quebrar esse clima. E ela veio.

O telefone toca. O apresentador se entusiasma com mais uma participação. Uma chance de tornar o programa menos monológico.

É uma mulher. Ela demora a falar. O apresentador estranha. Os participantes são quase sempre muito falantes. Sempre dispostos a terem suas vozes no ar. Ele vai fazer um pedido. Mas antes, narra um sofrimento.

Mãe de três crianças, padece ao vê-las passando fome. O oco na barriga das crianças é uma espada no peito da genitora. E um soco na boca do estômago de cada um de nós.

Mesmo que muitos de nós finjamos não sentir. Embora teimemos em ignorar. Apesar de vermos quase todos os dias mulheres a pedir, crianças a mendigar, homens a esmolar. Viramos o país dos miseráveis. E dos que miseravelmente insistem em ignorar.

A mulher faz um relato assustadoramente comovente. Disse que não tentara o suicídio porque não queria deixar os filhos ainda mais desamparados.

Espero que ainda esteja viva. Os que não se sensibilizam com isso, já morreram. São 33 milhões de pessoas passando fome nesse país e querem decidir o seu destino pela pauta de costumes. Um costume bom é todos ter o que comer. Trastes. Imundos. Sádicos. O Brasil precisa ser constituído por gente de carne, osso e bons sentimentos.

Quando uma mãe sente dor, todos nós deveríamos pelo menos chorar.

 

* Professor e jornalista

 

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