Por Joyce Moura*
O debate público brasileiro, especialmente nas redes sociais, opera frequentemente sob a lógica da seletividade e da conveniência. O caso da governadora Fátima Bezerra (PT), que “se recusou a falar com a jornalista Carol Ribeiro”, e o caso do blogueiro Ronny Holanda, que denunciou ter sido agredido fisicamente e algemado por servidores municipais ligados ao prefeito Allyson Bezerra (União Brasil), oferecem um estudo de caso contundente sobre como a mídia e o engajamento político aplicam “dois pesos e duas medidas” ao tratar de incidentes envolvendo a liberdade de imprensa e autoridades.
O Contraste: Da Crise da “Não-Entrevista” à Crise da Violência
No incidente envolvendo a governadora Fátima Bezerra e a jornalista Carol Ribeiro, a crítica foi imediata, generalizada e intensa. A recusa da governadora em conceder entrevista, uma falha de “diálogo e transparência”, foi prontamente denunciada por veículos de imprensa e profissionais como um ato que fragiliza a relação entre poder público e jornalismo. O mundo político e midiático reagiu com veemência, exigindo reparação e manifestando solidariedade à profissional.
Entretanto, o caso do jornalista Ronny Holanda, em Mossoró, revela uma gravidade infinitamente superior, mas, paradoxalmente, parece ter gerado um silêncio seletivo e um engajamento crítico notavelmente menor em certos círculos. Ronny Holanda não foi apenas ignorado; ele foi, segundo seu relato, agredido pelas costas por um servidor e algemado por guardas municipais sob ordens diretas de um secretário de Segurança.
Se a recusa em dar uma entrevista é uma ofensa à liberdade de imprensa, a agressão física e a prisão por desacato contra um jornalista no exercício da profissão, com o envolvimento direto de agentes públicos, constituem um ataque frontal e violento aos pilares da democracia.
O Fator Político e o Silêncio Cúmplice
A diferença na repercussão e na indignação demonstra que a defesa da liberdade de imprensa muitas vezes é subordinada à agenda e à conveniência política.
A reação massiva no caso da governadora, uma figura proeminente do PT, foi amplificada por críticos e opositores que prontamente usaram o episódio para atacar a gestão. Já no caso de Mossoró, o prefeito Allyson Bezerra, do União Brasil, parece ter sido beneficiado por um silêncio ensurdecedor de parte do establishment e de grupos políticos que poderiam ser seus aliados ou que preferem não antagonizar figuras de oposição ao governo federal.
A Escala da Violência Ignorada: A crítica, conforme observado pelo post de Bruno Barreto (mencionado em um dos arquivos), se torna “assustadora, covarde e cúmplice” quando ignora a violência real. A agressão física e o abuso de poder (algemamento) são ameaças existenciais à segurança do profissional e à capacidade de fiscalização do jornalismo. Normalizar a violência contra o comunicador em troca de um silêncio submisso ou por “em troca de total em troca de anúncios”, como sugere Barreto, é o caminho mais rápido para a intimidação sistêmica da imprensa local.
O Poder da Narrativa e a Responsabilidade
A inação da Prefeitura de Mossoró, ao não se manifestar ou não afastar imediatamente os envolvidos e a nota do Secretário de Segurança focando apenas no “desacato” reforça a sensação de impunidade e de abuso de autoridade.
Se o governo Lula aprendeu que “comunicação não é gritar mais alto, é fazer ser entendido”, como indica a análise de Gabriel Galvão, o caso em Mossoró nos lembra que o poder da narrativa se desfaz quando a voz é silenciada pela força. A crítica deve ser universal e intransigente quando a liberdade de imprensa é atacada, independentemente da filiação partidária da autoridade envolvida.
A diferença de peso na reação midiática a uma recusa de entrevista versus uma agressão física não é apenas uma falha ética; é um indicador perigoso da fragilidade democrática do nosso debate público, onde a defesa da imprensa livre só se manifesta com força total quando serve a interesses políticos específicos.
*É jornalista.


