* Jônatas Andrade

 

Sem retorno financeiro garantido – por vezes até gerando prejuízo –, um dos gêneros cuja profusão de filmes anda em baixa desde as décadas finais do século 20 é o faroeste/western. Ainda que vez ou outra despontem grandes e importantes obras (Os Imperdoáveis, Bravura Indômita, Django Livre), o faroeste é um gênero que tem acontecido, em geral, em dois casos: ou trata-se de um filme de elenco estrelado que garantirá uma excelente venda de ingressos aliado à direção de alguém de renome (Eastwood, Tarantino, irmãos Coen), ou então é um filme de custo financeiro bem menor, cujas receitas de produção podem ser pagas com locação, venda de DVDs, blu-rays ou tendo os seus direitos de exibição sendo revertidos para algum serviço de streaming.

Em geral, os westerns que são menos arriscados em sua escala de produção, muitas vezes optam por minúcias que certamente despertam a atenção dos interessados no gênero e interessados na sétima arte independente do(s) gênero(s) atrelados ao filme.

Ataque dos Cães, da diretora neozelandesa Jane Campion (mundialmente consagrada desde o seu belo e profundo O Piano), resolve arriscar-se nos entremeios das condições acima postas. Tanto é um filme com um elenco gabaritado, e que certamente ao menos 50% dos quatro (co)protagonistas irão concorrer aos prêmios de atuação nos festivais e no Oscar de 2022, como, em sua proposta narrativa, que não é dotada de grandes excentricidades, e brilha justamente por conta de tudo que não mostra, do que esconde em partes ou apenas sugere visualmente, apostando “apenas” em seus interessantes personagens como leit motivs condutores da narrativa.

Não dá para avançar mais no texto sem antes dissertar um pouco sobre o britânico Benedict Cumberbatch. Falar das suas boas atuações poderá quase sempre soar clichê. Portanto, para não dizer apenas que ele atuou muito bem, vou além: é a melhor atuação da carreira dele. Ponto e pronto.

Cumberbatch, cujo personagem carrega todos os arquétipos do cowboy estadunidense que tanto vimos em filmes de John Wayne, Kirk Douglas e Clint Eastwood (antes de Os Imperdoáveis, especificamente, visto que esse opera pela desconstrução do mito do cowboy), possui, segundo a psiquiatria junguiana (do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung), uma sombra. A saber: a sombra é tudo aquilo que está reprimido, é negado ou precisa ser mascarado mediante a demonstração de outra personalidade muitas vezes bastante oposta.

E a sombra de Phil, o personagem interpretado por Cumberbatch, é por vezes ativada e convidada/forçada a exibir-se quando Peter, personagem do jovem e talentoso Kodi Smit-McPhee, o espelho de Phil, outro termo trabalhado por Carl Gustav Jung, faz com que Phil revele o seu segredo mais bem guardado: o segredo que põe abaixo todo o arquétipo de cowboy que ele ostenta de forma intensa, bruta, suja e por boa parte da narrativa.

Percebemos nos outros as outras mil facetas de nós mesmos”, dizia Jung. E Phil, ora, permite-se revelar um pouco mais de si ao perceber que Peter é o que é sem envolver-se na sua sombra junguiana. Ainda assim, ao se permitir, Phil e o espectador não conseguem perceber tudo aquilo que o filme ousou nos mostrar desde o seu início: que ninguém, em Ataque dos Cães, é realmente aquilo que unidimensionalmente aparenta ser em uma primeira camada e numa rápida primeira ótica.

O filme ainda se vale dos talentos de outras três figuras de bastante conhecidas: Kirsten Dunst, que merece ser indicada aos prêmios de Melhor Atriz de qualquer festival; Jesse Plemons, que resumirei apenas dizendo que ele é o novo Philip Seymour Hoffman, oscarizado e saudoso ator falecido em 2014; e Johnny Greenwood, guitarrista da banda Radiohead e que só em 2021 entrega o seu terceiro trabalho de trilha-sonora que disputará prêmios: Ataque dos Cães, Spencer e Licorice Pizza.

Com Ataque dos Cães, a Netflix estará garantindo certamente muitos prêmios. É, de longe, o mais forte filme do serviço de streaming para tentar levar o sonhado Oscar de Melhor Filme da plataforma até hoje. E todo o reconhecimento para a grandiosa Jane Campion é e será pouco.

* Coordenador de Tutoria na Diretoria de Educação a Distância da UERN, Membro da Associação de Críticos Cinematográficos do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e Conselheiro Municipal de Cultura em Artes Visuais.

 

Nosso e-mail: redacaobocadanoite@gmail.com

 

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