* Márcio Alexandre

 

Era o início dos anos 90. Todos nós na casa dos 14, 15 e 16 anos. Eu morava na favela, no conjunto Nova Vida, em Mossoró, a cerca de um quilômetro do nosso principal point de diversão daqueles tempos, o Clube Paraíso. Era uma discoteca, nada mais que um espaço de alguns poucos metros, um barzinho dentro e um serviço de som. Fitas e mais fitas cassetes tocando as músicas da época. E de outras épocas também. Um deleite.

O roteiro era o mesmo, todo sábado: começava com pop e rock, quando se podia dançar sozinho. “Dançávamos” soltos, com muito braço jogado e nenhuma ginga de corpo. Era o momento preferido dos feios e dos que não sabiam dançar. Instante de se sentir igual a todos.

Na sequência, tocavam forró, avant première a embalar a formação de casais. Na sequência, vinha a chamada “música lenta”. Era a chance de os desprovidos de molejo entabular uma conversa ao pé do ouvido da escolhida. O ruim era que muitas vezes alguém já tinha escolhido a sua escolhida. Restava beber e curtir uma fossa no resto da noite.

Além de esperar a hora das músicas românticas, para dançar abraçadinho, oportunidade do “sarro”, no dizer da época, os “caretas” aguardavam esse grande momento tomando uma “meiota” de cana com uma garrafa de Pepsi, ainda em vasilhame de vidro. Os “invocados” fumavam maconha e procuravam briga. Os “telequetes” não passavam de empurrões, alguns bofetes e, nos casos mais graves, umas lapadas nas costas do contendor com um pedaço de vara retirada das poucas cercas que haviam ao redor do “clube”.

No dia seguinte, na maioria das vezes, estavam todos juntos de novo, em suas respectivas “patotas”. Caretas com caretas. Invocados com invocados. O primeiro grupo, cheio de ideias na cabeça e aquela vontade de mudar o mundo. Eram os que estudavam de forma mais comprometida. E estabeleciam suas conversas entremeando com referências às músicas dos roqueiros mais revolucionários daqueles tempos. “Os invocados”, mesmo com muita fumaça no quengo, também falavam em revolução, ao som de Raul Seixas e Edson Gomes.

Vez por outra, um “careta” socializava com um “invocado”. Instante de trocas de ideias e de reafirmação de propósitos sociais: era preciso enfrentar o sistema, mesmo que a grande maioria sequer soubesse que ele existia. Ou que tivesse essa definição. Mas eram sonhadores. O desejo de mudar os unia.

Pouco mais de duas décadas depois, muita coisa mudou. A grande maioria foi cooptada. A troco de que não se sabe. E sucumbiu ao de pior que surgiu na política brasileira. Se deixaram levar por narrativas falaciosas, criminosas e incriminantes. Alguns resistiram. Poucos permanecem com ideais.

Hoje, os “caretas” lutam contra o nazifascismo, o milicianismo e  o estatismo neopentecostal. Os “invocados” fazem meme. Pra conciliar com fascistas. Nunca a expressão “tempos bons eram aqueles fez tanto sentido”.

 

* Professor e jornalismo

 

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