* Márcio Alexandre
Fui a uma das atividades de formação da Jornada Pedagógica de Mossoró. O tema central é o uso das tecnologias na educação. Tecnicamente bacana. E só. Sem nenhum rodeio, o que a gestão quer é que nos transformemos em seres autômatos. Mecânicos. Desprovidos de expressão e incapazes de sentir.
“Use esse aplicativo”. “Acesse aquela plataforma”. “Aplique esse formulário”. Tudo importante e necessário. Mas tudo a ser feito sem reflexão. Sem questionamentos. Talvez até sem pensar porque estamos usando o aplicativo, acessando a plataforma ou aplicando o questionário.
A formação, aliás, foi nesse sentido. Quase não se abriu espaço para trocas. Para reflexões. Para questionamentos. Para dizer o que estamos sentindo e qual o sentido disso. Como nos lembrou Giacoia, não “há dor maior do que a dor da falta de sentido”.
Mas me chamou a atenção que o tema da formação foi “Educação Digital e Equidade: Saberes necessários para a transformação do ensino”. O título me remeteu logo a Morin e os sete saberes que ele propõe para a educação do futuro. Enquanto assistia à competente apresentação da formadora, fui pensando em alguns desses saberes, e passo a refletir aqui sobre o primeiro deles: ensinar a condição humana.
Falar sobre a condição humana é destacar o que nos ensinou Hanna Arendt, que trouxe para a humanidade um dos conceitos mais importantes e válidos: a banalização do mal. Banalizamos o mal quando aceitamos tudo. Quando nos conformamos com tudo. Quando não questionamos nada. Quando permitimos que se sintam confortáveis em dizer que usar esse aplicativo, acessar aquela plataforma ou aplicar um determinado questionário é mais importante do que refletir porque isso deve ser feito.
Vivemos, infelizmente, em Mossoró, uma banalização do mal. Travestida de bondade. Disfarçada de legalidade. Cruel, porque ninguém parece se importar. Chocante, porque todo mundo parece se acostumar. Colasanti foi sábia aos nos aletar: “a gente se acostuma, mas não devia”.
Uma da faces mais terríveis do exemplo local dessa banalização do mal foi exposta na segunda-feira, 3/2, quando a gestão Allyson Bezerra (UB) negou fala à presidente do Sindiserpum, professora Eliete Vieira. Um silenciamento criminoso porque vivemos – ainda num regime democrático.
Causa-me espécie que o teatro não tenha ficado completamente vazio quando se deu o dantesco episódio. Nem o secretário de Educação, professor Leonardo Dantas, deveria ter ficado no ambiente. Quem é educador com um mínimo de consciência sobre a importância social desse ofício não deveria ter permanecido no lugar, que passou a exalar odor de enxofre. Quem tem um pedacinho de ombridade sentiu-se incomodado e deixou o espaço. Silenciar uma categoria é um ato fascista e quando um fascista age e ninguém reage para contê-lo, tornam-se todos iguais.
A gente não pode se acostumar com os silenciamentos, mesmo que a gestão esteja cada vez mais nos dividindo. Cada vez mais precarizando a nossa condição de trabalho. Cada vez mais nos colocando como adversários uns dos outros. Como se professores de 30 horas, docentes de 40 horas ou profissionais celetistas fossem inimigos entre si.
A gestão iniciou sua artilharia contra os professores efetivos. Muitos não se importaram. Eles não eram concursados.
Depois, os prejudicados foram aqueles que tem filhos especiais. A maioria não se importou. Nem todos tem filhos nessa condição.
Agora, são os aprovados em concurso que estão sendo ignorados. Muitos não ligam. Afinal, já estão com o vínculo estabelecido há anos.
Um a um, todos estão sendo prejudicados e nenhum se rebela.
Aliás, é vergonhoso que tenhamos colegas que se sujeitem a ocupar qualquer cargo nessa gestão. Por um dinheiro que não cobre o desgaste? Por uma vaidade que não vale a honra? Ou por medo de terem que voltar à sala de aula?
A situação é tão degradante que tem gente trabalhando para a gestão mesmo sem estar nomeado para o cargo que sempre ocupou. Que falta de amor-próprio, expressado inclusive nos rostos pálidos e nos sorriso amarelos que apresentam nesses eventos.
Mas ainda dá tempo de acordar. De perceber a situação com mais atenção. De deixar de olhar apenas para o próximo umbigo. De pensar apenas em si mesmo.
Estamos vivenciando uma Jornada Pedagógica capenga. E a partir de amanhã, nas escolas, será ainda mais catastrófica. Cada vez menos pedagógica. Ainda mais teratológica. Como tem sido nos últimos anos.
Professores, acordai-vos. Ensinar é muito mais que usar aplicativos, acessar plataformas e preencher formulários. É o nosso futuro enquanto profissional que está em jogo. Por enquanto, estamos perdendo de 7 a 0.
* Professor