Da grandeza dos pequenos gestos

* Márcio Alexandre

Caminhava tranquilamente pelo Centro comercial de Mossoró. Para fugir do sol causticante, apressava o passo em busca das muitas sombras das barracas e das “pestanas” dos prédios. Árvores são cada vez mais artigo de luxo nas cidades que se dizem modernas e desenvolvidas.
Aos pés, o par de chinelos era castigado pelo ímpeto da passada firme e pelo freio brusco das paradas inesperadas comandadas pelo corpo.
O acessório podálico ainda suportaria muitas léguas. Lentas ou lépidas. De repente, a “tragédia”.
O caminhante que vinha atrás acertou a próxima pisada justamente na ponta traseira da alpercata. A força do passo de quem o tinha aos pés completou o cenário: as correias traseiras soltaram. Descolaram. De longe dava pra ver o estrago.
Com muita preocupação e nenhuma vergonha, o homem pegou a “lambreta”, e já procurava com os olhos uma sapataria ou qualquer comércio que tivesse a pisante de sola baixa.
À esquerda, uma visão que fez os olhos brilharem. Um sapateiro. Uma pequena oficina ao fim de um grande corredor.
O homem, atencioso, olhou o objeto e deu o diagnóstico. O outro chinelo estava bom, o que não justificava o serviço que precisava ser feito. E fez uma grande ação.
Trabalhou alguns minutos e entregou a chalota consertada. Quase novo. E não cobrou pela empreitada. Mesmo com a recorrente insistência do dono da babucha.

Argumentou que só cobraria se tivesse feito a operação nos dois chinelos. Uma honesta e transparente justificativa. Por mais que tivesse empregado boa parte do seu tempo e todo o seu saber profissional, não cobrou pela tarefa. Saiu com a sapateta nos pés e gratidão no coração.
O serviço não foi dos maiores, o gesto é que foi gigante. Com a grandeza das pequenas coisas. Com a enormidade que é servir na necessidade. Resolver quando é urgente. Fazer sem que se tenha pedido. E não pedir nada pelo que fez.

* Professor e jornalista