* Márcio Alexandre
O Estado faz a persecução penal. Para bom entendimento: institui o procedimento para apurar crimes e punir quem os cometeu. Funciona assim: o fato delituoso acontece, a polícia investiga, o Ministério Público faz a acusação e o Judiciário – ora, vejam, só – julga. A esse conjunto de atos, ritos e trâmites se dá o nome de devido processo legal, instrumento constitucional que só vige no Estado Democrático de Direito.
Por que, então, o Estado condena? Condena, em princípio, para pacificar. Não há nada mais danoso à paz do que a impunidade. Se a violência gera violência, a impunidade gera o caos.
Condena para se ter o exemplo. Para que outros não venham a cometer o mesmo crime. Ou outros crimes. Chamam isso de função pedagógica da pena.
Há casos em que se pune crimes não consumados? Muitos. Quem quer matar alguém e não o consegue também é condenado mesmo que sua vítima não chegue ao esquife. O tipo penal, nesse caso, é tentativa de homicídio (artigo 121, II, CP). Obviamente, que o legislador também previu outras formas de crimes tentados e, portanto, passíveis de submissão ao jus puniend estatal.
Tentativa de golpe de Estado não é um ilícito com previsão constitucional. O que a Constituição proíbe é que se tente dar o golpe, ao definir, em seu artigo 5º, XLIV, que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”, e no artigo 34, III e IV, que autoriza a União “a intervir nos Estados para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação”.
Já o artigo 359L, da Lei 14.197, de 1º de dezembro de 2021, faz a previsão legal do citado crime, com a tipificação legal e a cominação da respectiva pena. É cristalina a redação: “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
Não se trata, aqui, de aula sobre Direito Constitucional ou Penal. Longe disso, mas, ao discorrer sobre o julgamento mais importante que o país viveu nos seus pouco mais de 130 anos de República, é importante abrir o preâmbulo. Não só para fundamentar o que está sendo dito, mas que para os que se arvorarem à crítica, o façam também com substância. Não dá para falar sobre questões ligadas à soberania nacional, separação de poderes e democracia – para ficar em apenas três exemplos – na base do achismo ou dos cortes de vídeos de Internet.
Dito isso, retoma-se a pergunta inicial: para que serve uma condenação?
Serve, também, para reparação de danos. Há infrações, no entanto, que impossível a reparação do bem tutelado pela lei. A vida, por exemplo, é um deles. Daí, que a pena seja a privação da liberdade do condenado.
Em outros casos, a pena, com a prisão a quem foi atribuída tal sanção, não serve tão somente para os fins que a legislação especifica (importante ressaltar que os exemplos aqui citados não são numerus clausus). Ela traz outras possibilidades que a própria vida em comunidade torna necessárias.
No caso do ex-presidente golpista e agora condenado, a condenação não vai apenas impedir que ele siga tramando contra o país. Não vai garantir tão somente que ele também deixe de atacar a tudo e a todos.
A condenação citada vai permitir que os símbolos nacionais voltem a ser de todos. Vai nos dar de volta o orgulho de vestir certas cores. De empunhar nossa bandeira. Vai afastar de alguns de nós o asco a alguns números. A ojeriza a determinados lugares.
A condenação de Jair Messias Bolsonaro tem o condão de ser uma das mais pedagógicas da História do país. Que seja cumprida. Para que todos saibam que o crime não compensa. Que o princípio constitucional descrito no caput do artigo 5º da nossa Carta Magna, segundo o qual “todos são iguais perante a lei” não é apenas uma boa intenção, mas um dispositivo com cogência, com a força de garantir a igualdade jurídica.
E, não, não há previsão de anistia na Constituição Brasileira, para quem tenta contra o país. Cogitar isso é perpetrar outra tentativa de golpe. Que estejamos atentos.
* Professor e jornalista