Didático, forte e incisivo. Assim foi o parecer do procurador Rodrigo Telles, do Ministério Público Eleitoral do Rio Grande do Norte (MPE/RN) ao negar provimento ao recurso apresentado pelo diretório municipal do Partido Social Cristão (PSC) em Mossoró, na tentativa de salvar os mandatos dos vereadores Lamarque Oliveira e Naldo Feitosa.
Com didatismo, o procurador deu aula. Uma verdadeira reprimenda pedagógica. Um alerta para que os acusados não voltem a fazer o que fizeram: tentar burlar a legislação eleitoral. E o tentaram numa das áreas mais sensíveis. Que deveriam ter sido mais respeitadas: a cota de gênero.
Com o vereador Lamarque Oliveira, o membro do parquet foi direto. Classificou sua atitude como reprovável. Lamarque, como se sabe, é o presidente local do PSC. O que Telles quis dizer, em mensagem direta e objetiva foi: como dirigente partidário, Lamarque deu o pior exemplo que se poderia ter dado.
Para o procurador, restou evidenciada a fraude em questão a partir da “soma das circunstâncias fáticas do caso”. Em bom Português: tudo foi feito para dar às candidaturas femininas a feição de cumprimento da lei, mas ocorreu justamente o contrário: burla da cota de gênero, com robusta prova documental a “indicar a ocorrência do ardil perpetrado voltado ao mero preenchimento formal dessa cota”. Ou seja, as candidaturas eram de faz-de-conta. De mentirinha. Mas uma mentira criminosa e, por isso, o uso do termo ardil, pelo procurador.
Os fatos e as provas deles se confundem. Porque postos para enganar. Porque relatados para parecer verdadeiros. Porque usados para ludibriar.
Conforme inicialmente percebido pela juíza Giuliana Silveira, o não envolvimento das candidatas na campanha, corroborado pelo pífio desempenho delas nas urnas, são um convite à desconfiança.
“Apesar não se poder exigir desempenho satisfatório nas eleições pelas candidatas, espera-se do aspirante ao mandato eletivo, qualquer que seja o seu gênero, a demonstração ao menos do interesse em participar das eleições, de forma a afastar o propósito voltado à mera composição do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP)”, ressaltou o procurador.
Justiça Eleitoral e Ministério Público Eleitoral não tem dúvidas de que a Prestação de contas padronizada, a não realização de campanha, a existência de parentes em primeiro grau concorrendo ao mesmo cargo, a desistência de candidata às vésperas do pleito, são fatos apontar que as candidaturas femininas do PSC nas eleições passadas foram forjadas.
Segundo o procurador, burlar cota de gênero configura crime de abuso de poder político que atenta ainda contra a segurança jurídica, o princípio da boa-fé e a confiabilidade das instituições. O conluio, acreditam juíza e procurador, foi todo arquitetado por Lamarque Oliveira.
Em sua defesa, Lamarque tentou desqualificar um dos denunciantes ao dizer que ele somente teria feito a denúncia porque não teria se concretizado uma suposta promessa de emprego. O procurador não embarcou na cantilena. Para ele, embora a tal promessa feita não tenha se efetivado, não se pode colocar os relatos no campo da ilegalidade. Embora tenha tentado justificar um possível crime com outro, Lamarque não conseguiu seu intento. E poderia ter outra acusação ao fazer falsa promessa. Ao jogar com a expectativa de uma oportunidade de trabalho para alguém necessitado. No mínimo imoral.
A sentença da juíza poderá ser reformada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Caso a cassação dos vereadores seja revertida, a decisão e, em especial, o parecer do procurador Rodrigo Telles servem como uma aula de cidadania e de alerta: é preciso respeitar as leis. É imperioso garantir o direito das mulheres. Cota de gênero é uma conquista. Não se pode fingir que está sendo respeitada.
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