* Márcio Alexandre
O morcego abriu as asas,
Deu uma grande risada
Eu disse: eu sou o único
Que não posso dizer nada
Porque o homem pra nós
Tem sido até camarada.
Constrói castelos enormes
Com torre, sino e altar,
Põe cerâmica e azulejos
E dão pra gente morar
E deixam milhares deles
Nas ruas, sem ter um lar.
Essas estrofes magistrais do poeta mossoroense Antônio Francisco são um retrato pronto e acabado do que estamos vivendo em nossa cidade. Nosso cordelista-mor foi profético. E como tal: atemporal.
Nunca, em toda a história do município, se viu tanta casa fechada por essas bandas. Casas e casarões. Palácios e palacetes. Da periferia aos bairros “mais nobres”. Do Nova Betânia ao Santo Antônio. Dos Abolições ao Nova Vida.
O motivo é claro: as famílias estão migrando para os condomínios. Principalmente para os condomínios-clube. Em busca de conforto e segurança, elas querem viver sob a (suposta) proteção que os altos muros dessas construções ainda parecem ser capazes de oferecer.
Os mais abastados estão deixando até mesmo os apartamentos para se aventurar nessa nova modalidade de moradia.
O resultado disso: casas fechadas. Inativas. Abandonadas. Se deteriorando sob a ação do sol e das chuvas. Com placas de vende-se ignoradas por quem pode comprar. Entristecendo quem não pode morar. Alegrando quem pode ficar: os morcegos.
São muitas as placas de “vende-sem”, “trocam-se”. Nada de “dá-se”. “Empresta-se”. “Permite-se”. A permissão é apenas para a corrosão cronológica. O acabar-se com o tempo. Parece não haver tempo para a caridade.
Assim deve seguir. Quem tem dinheiro para adquirir um casarão hoje prefere um condomínio. Mesmo que algumas vezes para morar num “casarinho”. Parece um caminho sem volta. Para a alegria dos mamíferos voadores.
* Professor e jornalista
