Comunidade de Serra do Mel processa empresa de energia eólica por danos ambientais e sociais

A ação é motivada pelos graves impactos socioambientais e econômicos decorrentes da instalação de 40 usinas eólicas em Serra do Mel, dos quais 36 já estão em operação

por Ugmar Nogueira
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No dia 21/05/2025 foi distribuída ação civil pública c/c ação coletiva contra as empresas Voltalia Energia do Brasil Ltda. e Voltalia S/A, em virtude dos impactos dos empreendimentos eólicos no município de Serra do Mel/RN. A ação é movida pela Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Rio Grande do Norte (FETARN), a Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Norte (CUT/RN) e o Serviço de Assistência Rural e Urbano (SAR).

A ação é motivada pelos graves impactos socioambientais e econômicos decorrentes da instalação de 40 usinas eólicas em Serra do Mel, dos quais 36 já estão em operação. Embora o município tenha se tornado um polo de energia eólica, sua principal atividade econômica, a cajucultura, foi diretamente afetada, assim como os modos de vida e a saúde da população local.

A ação busca a reparação integral dos danos decorrentes dos impactos causados pelos empreendimentos eólicos, abrangendo o reconhecimento de dano moral coletivo ambiental que engloba prejuízos à paisagem, à fauna, à saúde e à produção agrícola familiar, além do dano moral aos produtores, relacionado aos efeitos nocivos à saúde dos moradores. Também é requerida a revisão dos contratos firmados com agricultores familiares, considerados excessivamente onerosos.

Segundo Erivam do Carlo Silva, Presidente da FETARN, “a ação possui grande importância para o Rio Grande do Norte, por tratar da defesa de direitos fundamentais, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a proteção da saúde e da integridade física e psíquica da população e o reequilíbrio contratual, sobretudo diante da situação de vulnerabilidade dos agricultores familiares diretamente afetados”.

Para Francisco Irailson Nunes Costa, Presidente da CUT-RN, “questionamos também o modelo de transição energética adotado, que não pode ser implementado à custa do meio ambiente e dos direitos das comunidades afetadas”.

No aspecto da saúde, os danos são significativos. Ruídos e vibrações contínuas das turbinas, instaladas próximas às residências, têm causado sintomas compatíveis com a chamada Síndrome da Turbina Eólica, como perda de audição, enxaqueca, tontura, distúrbios do sono e transtornos de ansiedade e pânico. Dados médicos de Serra do Mel indicam um aumento expressivo nos atendimentos relacionados a esses problemas desde o ano de 2022.

A situação também compromete diretamente a produção agrícola familiar. A poeira gerada pelas obras prejudica a flora local, dificultando a fotossíntese e, consequentemente, a formação dos frutos. A fuga de abelhas impacta diretamente a polinização, especialmente do caju. Além disso, a presença das torres eólicas dentro dos lotes impede o uso adequado de máquinas agrícolas, o que contribui para uma expressiva redução da área cultivável no município.

Outro ponto de destaque é a onerosidade excessiva dos contratos firmados entre a empresa e os agricultores. Segundo a ação, muitos produtores assinaram contratos de cessão de uso de suas propriedades sem qualquer assistência jurídica adequada, e com a cessão de 100% da propriedade, o que pode descaracterizar o agricultor como “segurado especial”, com impactos no seu direito à aposentadoria, além do acesso à crédito.

Para Felipe Gomes da Silva Vasconcellos, sócio de LBS Advogadas e Advogados, escritório que representa os autores, “a empresa adotou uma estratégia de fracionamento dos empreendimentos e das licenças ambientais, de forma a artificialmente reduzir o porte e o potencial poluidor percebido. Com isso, buscou se eximir da responsabilidade de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para o conjunto dos projetos, documento essencial para a avaliação adequada dos impactos e para a proposição de medidas mitigadoras e compensatórias”.

Para o Diácono Francisco Adilson da Silva, coordenador executivo do SAR, “a propositura da ação civil pública busca garantir a transparência e o acesso à informação sobre os impactos dos empreendimentos eólicos na comunidade de Serra do Mel. Ao requerer a elaboração de um EIA/RIMA que englobe todos os projetos e a participação efetiva da comunidade em sua elaboração e na destinação das compensações, reforçamos o direito fundamental à comunicação e à informação, assegurando que o público e os diretamente atingidos tenham conhecimento claro e confiável sobre os riscos e as medidas necessárias”.

A ação judicial requer, em caráter de urgência, a suspensão imediata da instalação ou operação de novos empreendimentos até que seja elaborado um Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) abrangente, com efetiva participação da comunidade local. Solicita-se que esse EIA/RIMA seja concluído no prazo de 90 dias. Além disso, exige-se o cumprimento de uma distância mínima de dois mil metros, ou dez vezes a altura total do aerogerador (incluindo as pás), entre as turbinas e as residências mais próximas, aplicando-se essa regra especialmente às usinas que ainda não foram implantadas ou que se encontram inoperantes.

Em relação às turbinas já instaladas e em funcionamento, a ação requer a realocação para uma distância segura, mantendo-se o parâmetro mínimo de dois mil metros ou dez vezes a altura do aerogerador, assegurando, entretanto, que a remuneração dos agricultores afetados seja preservada, com base na capacidade instalada originalmente contratada. Também se pleiteia o fornecimento de apoio psicológico e médico gratuito às pessoas afetadas pela Síndrome da Turbina Eólica, em razão dos impactos comprovados à saúde.

A demanda busca a condenação das rés ao pagamento de indenização à comunidade pelos danos morais coletivos de natureza ambiental.

A sociedade civil e os órgãos de imprensa são chamados a acompanhar de perto o desenvolvimento deste processo, que poderá gerar repercussões relevantes tanto para o modelo de implantação de projetos de energia renovável em áreas rurais quanto para a efetiva proteção dos direitos das comunidades diretamente impactadas.

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