* Talles Linhares*

 

Trata-se de dois Embargos de Divergência em Recurso Especial – EREsp (EREsp 1.886.929 e EREsp 1.889.704) que estão para serem julgados pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, tendo como ponto chave do julgamento se o Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, é taxativo ou exemplificativo. O julgamento no STJ iniciou em setembro de 2021, tendo sido suspenso pelo pedido de vistas da Ministra Nancy Andrighi.  Na data de 23/02/2022, o julgamento foi retomado, e novamente suspenso pelo pedido de vistas do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Contudo, há grandes chances de o julgamento ser retomado ainda nesse ano de 2022.

Pois bem, se o STJ decidir pela taxatividade do rol, entendimento este do Ministro Luís Felipe Salomão, relator dos dois processos, os planos de saúde não serão obrigados, nem por força judicial, a fornecerem tratamentos de saúde além daqueles expostos no Rol da ANS.

Entende o Ministro, que o Rol tem por objetivo proteger os beneficiários de planos, assegurando a eficácia das novas tecnologias adotadas na área da saúde, a pertinência dos procedimentos médicos e a avaliação dos impactos financeiros para o setor. Defende ainda, que há preocupação do Estado em não submeter os pacientes a procedimentos que não tenham respaldo científico, evitando que os beneficiários venham a ser reféns da cadeia de produtos e serviços de saúde. Para o Ministro, se o rol fosse meramente exemplificativo, não seria possível definir o preço da cobertura diante de uma lista de procedimentos indefinida ou flexível, o prejuízo ao consumidor seria inevitável, pois se veria sobrecarregado com o repasse dos custos ao valor da mensalidade, impedindo assim, maior acesso da população, sobretudo dos mais pobres.

Já para a Ministra Nancy Andrigui, o Rol da ANS é exemplificativo, representando a cobertura mínima que os planos de saúde têm de fornecer a seus usuários (entendimento este dominante na justiça brasileira). Para ela, o rol exemplificativo, represente a valorização da vida e da dignidade da pessoa humana, garantias dadas pela Constituição Federal, dessa forma os atos editados pelas agências reguladoras não se sobrepõem, nem podem desrespeitar normas, leis e princípios constitucionais.

A Ministra ainda lembrou, de um voto do ex-ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal -STF, o qual afirmava que as relações jurídicas estabelecidas no mercado da saúde suplementar, envolvem não apenas a prestação continuada de serviços ou cobertura de custos com assistência à saúde, mas o interesse público, movido pelo espírito cooperativo que tem como protagonista a pessoa humana e não o lucro. Enfatizou, que não se pode exigir do consumidor o conhecimento de todo o Rol da ANS antes da contratação, que por sua vez tem linguagem extremamente técnico-científica, de difícil compreensão para os que não são da área da saúde. Ainda no esteio, alega a Ministra que não sabemos quais doenças nos acometerão amanhã para escolhermos antecipadamente quais procedimentos da saúde contratar, nas palavras da própria Ministra: “Quem de nós sabe se amanhã seremos acometidos por câncer para poder dizer antecipadamente qual tratamento estamos escolhendo?”.

Através da juntada de dados, constantes no próprio site da ANS, a Ministra demonstrou que apesar do aumento das despesas dos planos de saúde e da queda no número de usuários, os lucros dos mesmos mais que dobrou nos últimos anos, ficando assim claro que o objetivo de tornar o rol taxativo é tão somente aumentar, ainda mais, o lucro dos planos de saúde.

Por fim, decidindo o STJ pela taxatividade do Rol da ANS, todos sairemos prejudicados, mas principalmente aqueles com doenças raras, portadores de deficiências, idosos e as pessoas com necessidades especiais, como os autistas. A mudança cassará os direitos de quem mais necessita do amplo atendimento previsto em lei. Nesse sentido, toda a demanda negada pelos planos de saúde desaguará no “colo” do Sistema Único de Saúde – SUS, última “taboa de salvação” dos que tiveram seus direitos negados, mesmo que para tanto tenham que buscar o Poder Judiciário.

 

*  Advogado, especialista em Direito à  Saúde ( OAB/RN nº 11.699)

 

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